quarta-feira, julho 6

Rápido desembarque ao continente (e as histórias lisérgicas de Dom Ortis)

Diário de bordo
do Capitão Salazár
do navio Las Hermanas
Dia 2

Hoje cedo, lá pelo meia-dia - somos noturnos - saimos todos para o continente. Logo pela manhã, concentrados, rumamos - eu e Dom Villa - para a câmara de Dom Ortis. E então desembarcamos no continente, após fumarmos um pouco. Dom Galagueñas se despersou rápido de nós. Tinha negócios a resolver. Nós ficamos zanzando pela cidade de mercadores. Dom Villa foi comprar seus cosméticos - hábitos de um paniqueño. Dom Ortis foi a um boticário pegar umas ervas medicinais de que estava precisando e eu entrei na tenda ao lado, onde se vendia papel, penas de escrever e outros artefatos para escritores. É um vício meu, escrever. Vício dos bons, creio assim. Uso cinco blocos de papel por mês. Ora, ora, não me chame de cagalhão, não estou falando deste tipo de papel.

Depois disso, fomos almoçar em um restaurante sugerido por Ortis. Eu já havia comido lá algumas vezes, mas nunca a foiejda. Muito boa a foiejda de lá. Eles preferem - Dom Villa e Ortis - levar uma quantidade de comida armazenada para levar para o navio, ao invés de comer por aqui mesmo. Acabo vendo que isto compensa mais e faço o mesmo. Comento a Ortis, enquanto estamos na fila, que as pessoas do continente têm um outro ritmo e nós, pessoas do mar estamos sempre destacados dos outros. Pelo sacolejo do mar, eu não sei muito bem, somos um pouco mais aéreos. Estou andando de um lado para o outro, entre as pessoas do restaurante, a mostrar a Ortis uma comida que parece vômito de bebê. E neste momento que mostro isto um camarada está pegando aquilo para ele. E começo a rir, descontrolado. Estou lunatizando, no meio do restaurante.

Voltamos para a câmara de Ortis e os dois começam a comer. Estou um pouco sem fome e observo o seu ambiente.

- Aquilo é uma Jose Cuervo, Ortis? - digo, voltado para a tequila na prateleira.

- É - responde Ortis, com seu olho de vidro brilhando.

- Precisamos brindar com Jose Cuervo um dia desses.

- É verdade - diz Dom Ortis. - ela veio do acampamento, em Montes Verdes.

Dom Ortis é nosso biólogo ultramarino e, recentemente, participou de um acampamento de biólogos. Se reunem e ficam se embriagando e fazendo sexo por vários dias. Pelo que entendi é mais ou menos isso.

Começo a brincar com uma das gatas. São duas as gatas de Ortis. As chamamos carinhosamente de Las Hermanitas. Mariacita e Juanita, as mascotes do Las Hermanas. Estou a chamar Mariacita para vir ao meu colo, imitando uma espécie de mafioso italiano - come to daddy, little catball!
Eu acabo de dizer bola-gato em inglês mafioso ou foi impressão minha?
E ela vem, e converso com ela.

- Holla, Mariacita - digo a ela. - sei que pode me entender. Outro dia vim sozinho aqui e você saiu, e eu te disse pra entrar porque eu teria que fechar a porta. Estava indo buscar um remédio na câmara de Ortis. E você obedeceu. Eu vivo dizendo a Ortis que vocês gatos são deuses - e ela se encolhe nos meus braços, tímida. - ora, ora, sua modesta - continuo, olhando seus olhinhos verdes de felina. - não banque a modesta comigo, eu vejo bem como fica imponente quando ninguém está olhando.

Gosto dos gatos.

Dom Villa resolve competir comigo a atenção de Mariacita. Ele a chama para seu colo. Ela resiste um pouco no meu, mas acaba indo até ele. A chamo de novo, e estamos a brincar com ela. Ela parece não gostar da farra e estaciona num lugar só.

Enquanto isso, Dom Ortis nos conta as suas histórias do acampamento de biólogos, quando estava deitado em sua barraca, bêbado e lunatizado, a ouvir sua vizinha de tenda gemer. E as paredes de ar da tenda vizinha empurravam a cama de Ortis.

- Porra, estou fazendo sexo por inércia - diz Ortis, num tom que julga baixo. Mas as pessoas que estão trepando perto dele começam a rir do que ele disse. Todos estão lunatizados.

No dia seguinte ela abre o zíper de sua tenda e diz:

- Já que fez sexo por inércia ontem, vais fazer comigo hoje.

E então trepam, ao luar.

- Fantásticas são suas histórias, Dom Ortis - digo a ele, saboreando minha foiejda.

E então começo a pensar sobre os nomes das Hermanitas. E que, para brincar com señorita Maria, a quem muito quero chamar de señorita Salazár, propor-lhe que me ame juntamente com su hermana Juana. E então estaria amando Las Hermanas, mas una vez. Todos nós concordamos que ela não gostaria muito da proposta.

- Mas nunca se sabe, não é mesmo? - digo, aos golfinhos passando na janela. Estão ouvindo nossas conversas. Seriam espiões de nossas chicas?

Dom Ortis conta, inspirado por minhas divagações, que no mesmo acampamento fez um menage a troir. Quando ele disse essas três palavras juntas foi imediato - Dom Salazár e Dom Villa, em coro:

- ¡Nos conte esta porra agora!

E ele narra suas orgias psicodélicas. Quando convidou alguns outros biólogos a jogar cartas em sua tenda. Duas biólogas, dois biólogos. Na mesma tenda. No meio das cartas, de repente, o outro biólogo ataca a bióloga. Dom Ortis faz o mesmo com a sua. E tudo roda pelo mundo. Estão lunatizando, todos eles. Dom Ortis abre os olhos e o outro biólogo está a chupar os seios de sua bióloga. Mas a outra bióloga está tocando o seu corpo. Ninguém é de ninguém por aqui. Todos são de todos. E Dom Ortis relaxa e se pôe a aproveitar. Não se sabe de quem são as mãos e pernas. Aquilo tudo é um bicho só, reproduzindo. Ou treinando para isso. Dom Ortis quer ter filhos, mas filhos clones - nos disse outro dia. Vai fazer ele mesmo em laboratório. E se estiver bêbado e errar a cabeça? Ou mesmo os testículos? É um risco que sua prole irá correr.

Me levanto e digo aos dois que vou embora. Preciso ir para a minha câmara. Já sinto dores para esvaziar as barrigas. E todos eles respondem que também estão com esta coisa. Dom Ortis faz comentário muy brilhante: estamos comendo juntos, cagando juntos - se refere a nossa hábito alimentar estar sincronizado já há alguns dias.

Todos se separam pelo resto da tarde. Dom Galagueñas foi vender seus peixes. El lobo-uso de la rede. Sempre cheia de peixes mortos fedorentos. Um bom sujeito, ele.

Mais tarde nos reunimos de novo. Teremos essa noite a célebre visita de Juan Pablo, nosso antigo tripulante, que acabou indo para a tripulação de outro barco. Menor, mas todo dele.

Tenho certeza de que comemoraremos este grande reencontro em grande estilo, como sempre. Regados a muita tequila e marola, a bordo do Las Hermanas.
Nunca se sabe se realmente virá nos visitar.
Dom Juán Pablo de l'Alma Negra, el trovador de las tiendas da noche.
Aquelle pirata pendejo.

Dom Salazár

Nenhum comentário:

Postar um comentário